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Não em meu nome

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Sou totalmente contra o uso de qualquer artefato tecnológico que venha com a intenção de substituir a função do(a) professor(a) em sala de aula. O papel dos(as) professores(as) é imprescindível e insubstituível em qualquer fase ou contexto da aprendizagem na educação. A aprendizagem é um fenômeno relacional que acontece em íntima relação com o contexto. Portanto, não me convencem as justificativas que menosprezam um dos componentes desse contexto: o professor. A ação de educar-se é um processo de geração de mundos. E a educação é uma geração de mundos no viver/conviver com o outro(a). Poderia ficar por aqui e não dizer mais nada. Mas vamos lá que temos um espaço de folha em branco para ser preenchida.

Como forma de ilustrar minha posição sobre o que defendo para a aprendizagem, vou resumir uma pequena história contada pelo pensador chileno Humberto Maturana. Conta ele que um professor norte-americano, trabalhando temporariamente na Universidade do Chile, tinha que fazer uma viagem e não poderia chegar a tempo para sua aula. Chama, então, um seu assistente e lhe entrega algumas "fitas" gravadas com as aulas e pede que se não chegar a tempo, que ele "passe" as fitas para os seus alunos. Ele realmente se atrasou e a aula já havia começado quando retornou. Acerca-se da sala de aula e escuta sua voz (vinha das fitas que havia deixado com o colega). Vai até a janela da sala e olha para dentro. O que viu o professor? Viu um gravador sobre uma mesa no centro da sala rodeado de outros 40 gravadores.

Com essa pandemia da Covid-19 que estamos vivendo, as relações entre as pessoas estão passando por alguns sustos. Não é raro quando estamos frente a situações de crise acabarmos aceitando certas alternativas que de alternativas não tem nada. O tal de ensino remoto a que os profissionais da educação e os(as) estudantes estão sendo submetidos é um clássico exemplo disso. É certo que a educação mediada pelas novas tecnologias midiáticas não surgiu agora com a pandemia. Ela já vem sendo defendida há tempos por grandes empreendimentos empresariais/comerciais que se apresentam como instituições educacionais. O canto da sereia foi tão atraente que nem mesmo as instituições públicas de educação resistiram e aderiram à última moda na educação. Os poucos empecilhos que ainda restavam estão sendo, aos poucos removidos.

A questão é: e quando essa pandemia passar e tivermos a vacina o que terá restado da educação como um espaço de encontro entre as pessoas? As corporações privadas que vendem a mercadoria, que chamam de educação, não vão querer abrir mão desse filão que há tanto tempo vinham construindo. Como abrir mão dos lucros que aumentaram muito com a substituição do professor(a) pela mediação das tecnologias? Muitos desses empreendimentos foram salvos pelo gongo da falência, afinal, o que gastam com os profissionais que preparam as "aulas" é infinitamente menor e atinge um número infinitamente maior de estudantes. Até parece "teoria da conspiração". Mas, no meu caso não é.

Não sou adepto dessa "explicação" para as escolhas que fazemos. A nossa educação, já tão maltratada, dará mais um passo na direção da substituição do pouco de afeto, de acolhimento, de aceitação do outro, enfim, da emoção do amor sem a qual a educação não existe. Existe outra relação. Mas não é educação. Pode ser treinamento, adestramento, etc. Porém, educação tem a ver com a escuta, com olho no olho, com o abraço, com a conversa amorosa entre aqueles que participam da relação de aprendizagem. Talvez até tenha gente dando loas à pandemia que, afinal, nos mostrou alternativas para uma educação mais asséptica, mais rápida e, o mais importante: mais barata. Algo tipo telemedicina. Façam isso, mas, não em meu nome. Se isso acontecer, não farei mais o trajeto pela faixa de Camobi para ir à UFSM, onde sou professor.

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